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A surpreendente ousadia de Gabriel Galípolo
Por Tony Volpon, economista, ex-diretor do BC
A questão da credibilidade na política monetária tem sido tópico de estudo e debates desde pelo menos o trabalho pioneiro de Kydland e Prescott de 1977 e especialmente a contribuição seminal de Barro e Gordon “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy” no JME de 1983.
Com Gordon e Barro aprendemos que os agentes formam expectativas sobre a atuação da autoridade monetária que condicionam o resultado (formalmente o equilíbrio) da interação entre os dois. Assim, se há dúvidas sobre o compromisso da autoridade, haverá um ajuste positivo nas expectativas de inflação. Regras monetárias – como o sistema de metas – podem ajudar, mas ainda há um incentivo de curto prazo para a autoridade monetária enganar os agentes.
Na medida que a autoridade monetária age seguindo as regras, sua reputação – sua credibilidade – sustenta o “bom” equilíbrio, permitindo que as expectativas bem ancoradas absorvam choques à taxa de inflação de tal forma que o uso do instrumento de juros é minimizado, o que acaba também estabilizando as oscilações do produto ao redor do seu potencial.
A indicação de Gabriel Galípolo ao Copom, que gerou imediata expectativa de que ele seria elevado à presidência da autarquia, trouxe um déficit de credibilidade. Isso em parte não tanto pelo seu passado (apesar de suas fortes ligações com economistas heterodoxos), mas pelos ataques do governo ao atual presidente, Roberto Campos Neto e a política de juros, vista como muito austera.
Assim se criou a ideia de que o Banco Central sobre o comando de Galípolo teria uma atuação com menos comprometimento com a meta de inflação. Isso – junto com os problemas do governo em demonstrar uma trajetória fiscal sustentável – tem gerado aumento nos prêmios de risco, tanto nas expectativas dos agentes como nos preços dos ativos.
Galípolo parece entender isso. Com exceção do polêmico Copom “rachado”, ele tem se colocado junto a maioria do Copom e, o que eu acho interessante, feito vários elogios públicos a Roberto Campos Neto. Eu não consigo achar nenhuma menção ou crítica heterodoxa ao arcabouço operacional e subjacente teorização nova keynesiana utilizada pelo Banco Central em suas falas como diretor.
Sua atuação também tem sido discreta na questão das intervenções no mercado de câmbio, diferente da visão intervencionista de vários economistas heterodoxos.
Mas, além disso, temos tido uma sequência de falas recentes desde a última reunião do Copom onde Galípolo tem sinalizado estar bastante aberto, se não ainda totalmente decidido, na necessidade de uma alta de juros frente a forte piora recente na dinâmica da inflação. Como escreveu Alex Ribeiro no Valor: “As mensagens mais conservadoras do diretor de política monetária…disseminaram a percepção…que o presidente Lula deu carta branca para uma eventual subida da Selic.”
Será? É verdade que não há hoje uma perspectiva concreta de a inflação convergir à meta no prazo definido pela nova sistemática contínua. A aparente convergência rumo à meta nas projeções do Copom é em grande parte um artifício da modelagem utilizada, onde a gradual perda de força dos choques exógenos modelados leva a queda da inflação em direção a sua média incondicional.
Mas também é verdade que não estamos vivendo nenhum descontrole inflacionário. Há recente alta na taxa anualizada que hoje está perto da banda superior deve ceder nos próximos meses. Não é difícil argumentar que a postura correta seria ter mais paciência, esperando que se possa por prováveis eventos futuros – como a queda de juros nos EUA – para ajudar a dinâmica da inflação virar rumo à meta.
Mas o problema é que tal estratégia somente faria sentido se as expectativas estivessem ancoradas, assim funcionando como um atrator de convergência. Se não houvesse nenhum déficit de credibilidade, tal estratégia teria respaldo, mas não é o caso hoje.
Permitir uma desancoragem estrutural das expectativas quando os choques mais recentes, tanto no câmbio como na questão fiscal, tem sido em direção contrária, é de fato aceitar que a inflação provavelmente fique acima da meta. Tal sinalização será notada e precificada pelos agentes econômicos. Um equilíbrio “mau” se formaria com inflação e custo de estabilização maior.
Assim, enfrentando expectativas desancoradas como hoje, onde os choques exógenos têm sido na direção adversa, qualquer membro do Copom que tem como primeiro compromisso a meta de inflação deve decidir por agir e votar pela alta de juros nas próximas reuniões.
Uma situação paralela foi a desancorarem adicional das expectativas entre o final de 2015 e início de 2016 que me fez votar como membro do Copom em dissenso por altas adicionais da Selic quando a taxa estava em 14,25% e a economia estava em recessão. A situação hoje é bastante menos drástica, especialmente na questão da atividade econômica que aponta um crescimento perto ou acima do potencial.
Então o posicionamento do diretor e futuro presidente merece louvor. Afinal, ele poderia primeiro esperar sua nomeação e confirmação para, depois, já com a proteção da autonomia operacional, buscar comprovar seu compromisso com a meta. Se ele de fato passar das palavras para a ação, não somente agirá corretamente, mas deve assim eliminar boa parte do ceticismo do mercado, suprindo o atual déficit de credibilidade e levando a uma melhor ancoragem das expectativas.
Ouso dizer que também ajudará o governo. A fixação com a Selic como único indicador da postura monetária é incorreta, o governo deve olhar um conjunto de variáveis que compõem as condições financeiras como um todo, e como temos visto nesses últimos dias, a postura do Copom e especificamente do futuro presidente tem contribuído para a queda do dólar, menor inclinação na curva de juros e alta da bolsa. Uma atuação correta agora deve ajudar a criar as bases concretas para uma retomada responsável do ciclo de queda de juros quando os choques adversos perderem força ao longo do próximo ano.
Assim antecipamos o momento da verdade para a credibilidade do futuro Copom. Torço para que haja a coragem de tomarem a decisão correta. Se não, é bem possível que o déficit de credibilidade aumente ainda mais.
Tony Volpon foi diretor do Banco Central. É professor adjunto da Georgetown University em Washington D.C.