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Decisões divergentes, por Tony Volpon*

Atualizado 06/03/2024 às 11:02:29

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Que super quarta-feira! Fechamos o que já foi um ano de muitas surpresas, com um surpreendente pivô do Fed, indicando não somente o fim do ciclo de alta de juros, mas também a disposição de já cortar a taxa em 2024. Isso demonstra forte certeza por parte do Fed que o surto inflacionário pós-Covid está sobre controle e que os riscos são simétricos, não valendo mais pesar na questão da inflação e colocar o pouso suave em risco.

Devemos lembrar que, antes da reunião do Fed, já tínhamos visto uma forte queda nas taxas de juros devido a uma sequência de bons dados durante o mês de novembro (mas devemos notar, não o último CPI, ignorado pelo Fed), com forte alívio nas condições financeiras.

Então, apesar da “deixa” do Waller em uma entrevista já falando sobre como e quando cortar, muitos no mercado esperavam que o Fed mandaria uma mensagem de cautela para não jogar gasolina na fogueira, o que não aconteceu.

Podemos interpretar esse pivô do Fed por duas perspectivas. Primeiro, como mencionado acima, uma mudança no balanço de risco colocando mais peso na questão da atividade, dado a melhora no quadro inflacionário. Apesar da quase, agora universal, expectativa de um pouso suave, há vários indicadores de stress na economia americana, especialmente do lado do consumo e do crédito. Não são, por si só, indicativos de uma recessão iminente, mas também não devem ser ignorados.

A outra razão teria a ver com o fato que na medida que a inflação (e as expectativas) têm melhorado, há um aumento passivo da taxa real de juros que, em momento de desaceleração da atividade. O Fed não vai querer correr. Assim poderíamos vislumbrar ajustes suaves na taxa de juros nominal para acompanhar a inflação, deixando a taxa real pelo menos estável. Com as expectativas sobre controle, o Fed tem esse luxo.

Agora, a meu ver, não é isso que o mercado está precificando, já colocando em jogo cortes no início do próximo ano, o que leva à conclusão de que há alguma probabilidade de um pouso “hard” sendo precificada (algo que certamente não está precificado nos mercados acionários). Assim, notamos que há uma aparente tensão entre a renda fixa e variável que terá que ser resolvida ao longo do próximo ano.

Aqui, nosso BC decidiu ignorar essas boas notícias e seguir em frente sem sinalizar nem sequer uma discussão sobre acelerar o ritmo de cortes da Selic. E isso a despeito de boas notícias na inflação e más notícias na atividade. Por quê?

Uma explicação seria a teimosia das expectativas longas no Focus, de caírem, apesar dessas notícias. Isso, obviamente, não é usual: afinal, se a inflação de curto prazo melhora, não há por que a inflação de longo prazo não melhorar se as projeções estiverem acima da meta.

Então tem algo a mais acontecendo “fora dos dados”. Minha tese é que as expectativas carregam um prêmio de risco devido às incertezas fiscais e, principalmente, as incertezas de como será a gestão do BC depois da saída de Roberto Campos Neto. O mercado, lembrando a gestão do BC entre 2011 e 2014, quando o topo da meta era efetivamente o que estava sendo perseguido, corretamente, ao me ver, questiona se algo igual pode acontecer a partir de 2025.

Assim, existe um déficit de credibilidade pelo risco de troca de gestão – algo que a contínua retórica do governo contra o BC reforça – e, como já vimos em muitos casos, um BC com credibilidade parcial acaba compensando com uma política monetária mais restritiva do que se esta gozasse de credibilidade plena.

Esse resultado, um equilíbrio não ótimo, acaba sendo o preço a ser pago pela retórica contra a instituição e as incertezas sobre quem deve ser o presidente da autarquia a partir do final do ano que vem. Algo semelhante aconteceu entre 2016 e 2017, o que acabou levando a inflação abaixo do piso da meta (com óbvias consequências negativas para a atividade econômica durante aqueles anos).

Este é o paradoxo que a classe política não entende: quanto mais “hawkish” a gestão monetária, menor o uso da taxa de juros pela capacidade de usar o canal das expectativas. Atacando o BC, o governo acaba colhendo o resultado contrário ao desejado.  

É notável que o mais provável candidato ao lugar de Campos Neto, Gabriel Galípolo, tem acompanhado todas as decisões do Copom sem dissenso, o que pode ser lido como tentativa de afastar temores de uma futura gestão heterodoxa. Infelizmente, acho que isso não vai ter grande efeito sobre as expectativas até que haja paz entre o governo e o BC, algo improvável com a economia desacelerando.

Assim, parece que estamos fadados a ver um arrasto na economia. Isso será ruim para o dólar e bom para a curva longa (já que, se os piores temores do mercado não forem confirmados, teremos uma maior queda na inflação, como aconteceu entre 2016 e 2017 e, portanto, um “piso” do ciclo menor).

O risco aqui, que eu ainda considero um risco de cauda, seria que, contribuindo para uma atividade mais fraca, em um ano eleitoral, esse equilíbrio ruim da política monetária de um BC, com déficit de credibilidade, aumente a tentação de compensar com uma política fiscal ainda mais expansionista.

* Tony Volpon, ex-diretor do BC, é professor adjunto da Georgetown University. Veja o artigo também no site do Instituto Makros

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