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STJ: a definição da taxa Selic para condenações civis geral e o que ainda resta indefinido
* Marina Maia e Francisco Ferreira
Nesta semana, após muitas sessões, o STJ concluiu o julgamento do Recurso Especial 1.795.982/SP, que, tratando de um litígio decorrente de acidente de trânsito, foi afetado à Corte Especial em razão da relevância da matéria: a definição do índice e correção monetária e juros de mora das condenações civis.
Estava em discussão a interpretação do art. 406 do Código Civil, que estabelece como juros de mora aqueles em vigor para pagamento de impostos federais. De um lado, o Código Tributário Nacional (CTN) fala em 1%; de outro, o Governo Federal corrige seus créditos tributários com a taxa SELIC.
O STJ já havia se pronunciado, em casos específicos, a favor da SELIC. No entanto, inúmeros juízes e Tribunais recorriam ao CTN para aplicar os juros de 1% ao mês.
A posição predominante entre as empresas que são credoras é de que a taxa de 1% funciona como um incentivo para a solução da disputa, uma vez que, com a aplicação de juros de 12% ao ano, a demora tende a ser financeiramente desfavorável ao devedor.
O Min. Relator Luis Felipe Salomão defendeu a inadequação da adoção da SELIC, por constituir um instrumento de política monetária para controlar a inflação, definido pelo BACEN. A corrente divergente foi aberta pelo Ministro Raul Araújo, ao fundamento de que a Emenda Constitucional 113/21 – que estabeleceu o novo regime de precatórios e previu a aplicação da SELIC – deveria ser considerada como uma orientação jurídica geral de matriz constitucional.
O julgamento, que mobilizou diversos setores da sociedade, teve clima quente e foi, ao fim, decidido pelo voto de desempate da Presidente Min. Maria Thereza de Assis, com o placar de 6 x 5. Na ocasião, o Relator suscitou questões de que ainda precisarão ser resolvidas em uma próxima sessão: (i) nulidade do julgamento pela ausência de dois Ministros; (ii) se será adotada a SELIC composta ou a soma dos acumulados mensais; e (iii) como proceder para aplicar apenas correção ou juros, já que a SELIC agrega ambos.
Embora essas questões tenham sido rejeitadas por parte dos Ministros, o Min. Mauro Campbell pediu vista para analisá-las, de modo que serão apreciadas em nova sessão, podendo influenciar na solução final ou, até mesmo, alterar o resultado, dada a cogitada nulidade do julgamento. Afinal, estamos acostumados com uma realidade bastante mutável no Brasil.
O tema, contudo, suscita também outras questões. Como ficam os casos em que, pelo mérito da controvérsia, os juros tinham finalidade não apenas moratória, mas compensatória, por exemplo em que os prejuízos financeiros sofridos pela parte não seriam compensados simplesmente pela SELIC? Nestes casos, seria possível a manutenção dos juros de 1%, para atender ao princípio da indenização plena?
Nos casos em andamento, quando a fixação de juros de 1% pelo primeiro grau não for objeto de recurso, por se tratar de matéria legal, haverá modificação de ofício, sem debate entre as partes? Ainda, ações recentemente encerradas poderiam ser objeto de ação rescisória por terem se baseado em critério de juros contrário à lei?
Nas disputas sujeitas à arbitragem, será também de grande interesse observar se os Tribunais Arbitrais seguirão sua própria interpretação, já que este julgamento não se enquadra nas hipóteses tipicamente vinculantes do Código de Processo Civil.
A discussão é de extrema relevância. Considerando a duração média de uma demanda em nosso País, o valor final da condenação, quando de seu cumprimento, pode ser significativamente impactado. Com a decisão de ontem, por exemplo, uma dívida antiga já pode ter caído pela metade.
Além disso, certamente a taxa de juros pode influenciar a atitude de agentes privados e litigantes, a depender do nível da SELIC e do custo de oportunidade do capital.
* Marina Maia é advogada e Francisco Ferreira é sócio da banca Aroeira Salles
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