Morning Call
A escalada dos yields americanos
Por Rosa Riscala e Mariana Ciscato*
[18/8/2023]
… Vendas no varejo no Reino Unido e CPI na zona do euro são os únicos indicadores na agenda dos mercados internacionais. Apesar da agenda esvaziada, no exterior e aqui, o clima é pesado, com a crescente pressão dos Treasuries assustando os investidores. O yield de 10 anos, que é referência global, atingiu o nível da crise do subprime em 2007 (4,326%). Esse impacto não seria apenas resultado da percepção de que os juros nos EUA poderão subir mais ou ficarem elevados por mais tempo para conter a força da economia e os riscos de inflação. Mas porque o governo, com o déficit muito alto, está sendo obrigado a emitir dívida, enquanto o Federal Reserve não tem encontrado demanda suficiente para reverter o excesso de títulos que acumulou no balanço.
… Em painel do BTG Pactual, ontem, André Esteves comentou que “estamos vivendo momento curioso e incomum”, que as taxas futuras deveriam estar caindo. “O juro americano é a base do custo financeiro global e, se começa a ir mal, vai afetar aqui”.
… Ele afirmou que a alta do dólar de R$ 4,70 para perto R$ 5 é “puramente um reflexo desse movimento importante das taxas de juros nos EUA”, que “nada do que aconteceu no Brasil, de incerteza política, fez efeito no dólar”.
… “Quando os EUA decidiram usar o dólar como arma geopolítica, congelando as reservas da Rússia, os grandes compradores de Treasuries, se retraíram. Só o estoque da China, que chegou a US$ 2 trilhões de títulos, caiu para US$ 600 bilhões.”
… Junto com a desaceleração na China, as novas incertezas nos Estados Unidos impuseram ao Ibovespa o recorde histórico de 13 quedas sucessivas, enquanto a curva dos juros ganhou inclinação e o dólar ameaça romper os R$ 5 (leia abaixo).
… Nesse contexto adverso, as preocupações fiscais ressurgem, ainda que em horizonte mais largo.
… No primeiro dia de reuniões com diretores do BC, nesta 5ªF, economistas do Rio trataram das dificuldades de arrecadação à luz do cenário externo mais desafiador, expondo sua preocupação com as chances de o governo cumprir as metas do arcabouço.
… Um participante disse ao jornalista Francisco de Assis (Broadcast) que um juro mais elevado (ou por mais tempo) nos EUA vai pressionar os juros longos e o câmbio no Brasil. “E câmbio, como se costuma dizer no mercado, é inflação na veia”.
… A desaceleração da economia chinesa é outro ponto de atenção, à medida que esfria as exportações de commodities e reduz o ingresso de dólares, gerando desvalorização cambial e inflação. “É um cenário que está mais negativo”, disse a fonte.
… Em Brasília, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal alertou para uma “piora acentuada” no resultado primário da União a partir de maio, fruto da desaceleração do crescimento das receitas ante o aumento do ritmo das despesas.
… O cenário apertado já em 2023 lança dúvidas sobre o arcabouço. Ao preservar as despesas, o cumprimento das metas depende da elevação das receitas, sem o que a credibilidade fiscal ficará em risco, avalia Relatório do IFI divulgado nesta 5ªF.
… Projeções para a trajetória das contas públicas dos economistas Alexandre Andrade e Vilma Pinto apontam um déficit primário de R$ 67 bilhões para o governo central (inclui Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) nos sete primeiros meses deste ano.
… Para a IFI, essa evolução ocorre em ritmo superior à dos anos anteriores, quando o teto de gastos controlou as despesas, com o aumento nas despesas obrigatórias decorrente dos reajustes ao salário-mínimo e vencimentos do funcionalismo.
… “Se não houver uma recuperação das receitas primárias, a perspectiva é de que a trajetória do resultado primário do governo piore ao longo do segundo semestre, o que comprometeria a meta de fechar este ano com rombo de até 1% do PIB.
… Pressionado pela necessidade de elevar a receita em R$ 130 bilhões, Fernando Haddad disse aliviado que “está tudo resolvido” entre Lula e Lira, referindo-se a um acordo sobre a minirreforma ministerial, que colocou o Centrão em pé de guerra.
… Lira também deu sinais de distensão, afirmando que “não houve estremecimento e não haverá nenhum tipo de rusga”.
… A agenda do presidente Lula prevê para hoje reunião com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em mais uma etapa para concluir a reforma ministerial. O encontro acontece às 9h no Palácio do Planalto.
ARCABOUÇO – A votação para validar ou não as modificações feitas pelo Senado deverá ocorrer na Câmara na próxima 3ªF (22), como já antecipou Arthur Lira, que convocou reunião de líderes um dia antes, na 2ªF, para formar um consenso.
… Para o relator na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), o texto aprovado pelo Senado não é “tecnicamente sustentável”. Ele defendeu manter seu relatório, mas disse que, “se os líderes quiserem mudar, não vou criar cavalo de batalha”.
… A expectativa maior, no entanto, fica transferida para os outros projetos com os quais a equipe econômica conta para elevar a arrecadação e fechar as contas em 2024, entre as quais a taxação dos fundos offshore, que não tem o apoio do Congresso.
… Também será um sinal importante de que o clima voltou às boas entre Haddad e Lira se o presidente da Câmara abandonar os planos de votar na semana que vem o projeto que prorroga a desoneração da folha para 17 setores até 2027.
FERVENDO – O hacker de Araraquara Walter Delgatti dominava o noticiário político do dia com seu depoimento na CPI do 8/1, ampliando as suspeitas de ação golpista de Bolsonaro, mas a maior bomba veio à noite, na capa da revista Veja.
… O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, confessará à Justiça que vendeu nos Estados Unidos joias recebidas pelo ex-presidente, transferiu o dinheiro para o Brasil e entregou os valores em espécie para ele.
… A informação foi também confirmada pela GloboNews com o advogado criminalista Cezar Bitencourt.
… Quase simultaneamente, o ministro Alexandre de Moraes (STF) acolheu pedido da Polícia Federal e autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente Jair Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
CONSIGNADO – Segundo a Febraban, o novo teto dos juros do crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS, de 1,91% (contra 1,97% antes), fica abaixo dos custos que parte dos bancos tem para oferecer a linha.
… Em nota, a entidade disse que o teto “pode comprometer a estrutura de custos desse canal de financiamento” e criticou o governo, que não teria conversado previamente com os bancos sobre a medida.
… O Santander informou ao Broadcast que segue operando o consignado após a decisão do governo de reduzir o teto de juros da modalidade. O Bradesco disse que vai obedecer às instruções normativas após a redução.
… Em março, o Conselho de Previdência Social (CNPS) alterou o teto do consignado de 2,14% para 1,70%, mas voltou atrás e elevou a taxa para 1,97%, após os bancos terem interrompido a oferta do consignado do INSS.
MAIS AGENDA – O presidente do BC, Roberto Campos Neto, profere palestra hoje no Fórum Brasileiro de Inteligência Artificial, em São Paulo. O evento, promovido pela Fundação Milton Campos, ocorre entre 9h30 e 12h e é aberto à imprensa.
… Já os diretores do Banco Central Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais), Diogo Guillen (Política Econômica), Gabriel Galípolo (Política Monetária) e Ailton Aquino (Fiscalização) participam de reuniões com economistas de São Paulo.
… Às 11h, Lula participa da cerimônia de posse do novo presidente do IBGE, Márcio Pochmann, na sede do Planejamento.
LÁ FORA – O CPI da zona do euro sai às 6h e as vendas no varejo do Reino Unido em julho, às 3h, em meio às apostas de que BoE levará o juro a 6%. Nos EUA, saem os dados de petróleo da Baker Hughes (14h).
EVERGRANDE – A empresa, que já foi a segunda maior incorporadora da China, protocolou pedido de proteção contra falência nos EUA. A empresa acumulou diversos empréstimos e deixou de pagá-los em 2021.
… A turbulência gerou uma enorme crise imobiliária na China, que continua sentindo seus efeitos (abaixo).
NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS – Devagar e sempre, o Ibov continua caindo, sem conseguir quebrar a sequência agora de 13 quedas, a pior da série histórica iniciada em 1968, segundo dados do Broadcast.
… Na manhã desta 5ªF, o índice à vista dava sinais de reação, surfando na onda das commodities com a promessa de estímulos pela China. Mas o estresse global com a pressão dos juros dos Treasuries virou o humor.
… A bolsa doméstica vem queimando quase mil pontos por dia e ontem entregou os 115 mil, para fechar em baixa de 0,53%, aos 114.982,30 pontos. O giro foi de R$ 27,2 bi e hoje deve ser fortalecido pelo giro das opções.
… Mais do que o ritmo de queda da bolsa, que tem se mantido relativamente moderado, o que assusta é a força da fuga dos investidores estrangeiros da B3. O último informe, do pregão de 3ªF, apontou retirada de R$ 1,112 bilhão.
… Neste mês de cão para a bolsa brasileira, a saída acumulada de capital externo está em praticamente R$ 8,5 bi. Forte parceira comercial do Brasil, a China tem sido apontada como maior vilã do fluxo, espantando os gringos.
… Como disse ontem Campos Neto, “quando a China espirra, os emergentes pegam um resfriado”.
… Segundo o presidente do BC, “temos visto desaceleração da China acima do esperado, números de deflação completamente inesperados e empresas grandes da parte imobiliária entrarem em situação falimentar”.
… A consultoria Capital Economics destaca que a economia chinesa corre o risco de passar por uma “década perdida”, indicando a necessidade de mais estímulos para evitar um crescimento nulo nos próximos trimestres.
… Reportagem da Bloomberg indica que a crise imobiliária na China pode ser pior do que os dados oficiais mostram, em parte por causa de uma metodologia antiga, que provavelmente está subestimando a profundidade da situação.
… O BC chinês prometeu ontem maior apoio à atividade. A atenção se volta para a decisão das principais taxas de juros no país, domingo à noite. A Bloomberg diz que o PBoC estuda cortar o compulsório em moeda estrangeira.
… Na euforia inicial desta 5ªF ao compromisso de Pequim em voltar a lançar estímulos, Vale disparou quase 3%, de carona no minério de ferro (+4,34%), mas reduziu o gás para 1,41% no fechamento, cotada a R$ 61,91 (ON).
… Também a Petrobras perdeu força. Virou para queda na reta final: ON, -0,75% (R$ 34,29) e PN, -0,32% (R$ 31,44), mesmo com o petróleo subindo. O barril apostou nos estímulos na China e interrompeu três quedas seguidas.
… O Brent para outubro avançou 0,80%, a US$ 84,12, e o WTI/setembro fechou em alta de 1,27%, a US$ 80,39.
… O setor financeiro refletiu a cautela em NY com o rali das taxas dos Treasuries: Bradesco ON, -1,85% (R$ 13,27); Itaú, -1,18% (R$ 26,75); Bradesco PN, -1,05% (R$ 15,09); e Santander, -1,09% (R$ 26,31). A exceção foi BB (+0,93%).
SEGUIU À RISCA – O impulso dos juros dos Treasuries foi replicado por aqui pela curva do DI, enquanto o dólar conseguiu resistir à pressão, sem testar os R$ 5. No noticiário interno, RCN contratou corte de meio ponto da Selic.
… O presidente do BC afirmou que reduções de 0,50 pp pelo Copom daqui em diante para a taxa básica de juro são adequadas e que “a barra é alta” para um ritmo diferente desse, para cima (0,75 pp) ou para baixo (0,25 pp).
… Essa semana, a surpresa com o reajuste acima do esperado nos preços dos combustíveis pela Petrobras esvaziou as especulações de um desaperto monetário mais agressivo em setembro, diante do impacto inflacionário.
… A gasolina e o diesel mais caros levaram o Banco Inter a revisar ontem em alta a expectativa para o IPCA deste ano, de 4,6% para 5,0%. Já para 2024, a estimativa da instituição financeira para a inflação se manteve em 3,9%.
… Os juros futuros mais longos foram os que mais sentiram a pressão dos rendimentos dos Treasuries ontem.
… O jan/27 subiu a 10,315% (de 10,230% na 4ªF); jan/29, 10,840% (de 10,763%); e jan/31, 11,160% (de 11,093%). Jan/26 foi a 10,130% (de 10,044%) e jan/25, 10,550% (de 10,507%). Já o jan/24 ficou estável: 12,440% (de 12,444%).
… O dólar ignorou a volatilidade nas bolsas e na curva do DI e fechou perto da estabilidade pelo segundo dia seguido, apoiado na recuperação dos preços das commodities lá fora e na melhora do ambiente político por aqui.
… Apesar de, à tarde, a moeda americana ter se afastado das mínimas (R$ 4,9598), refletindo a busca por proteção nos demais mercados, ainda não foi desta vez que bateu R$ 5. Fechou em leve baixa de 0,10%, a R$ 4,9814.
… A sinalização de apoio da China ao setor imobiliário deu suporte aos preços das commodities nesta 5ªF, colaborando para a valorização das moedas de países produtores e afastando o dólar da máxima de R$ 4,9959.
… Mas o câmbio continua flertando com a zona de perigo e, qualquer passo em falso, pode romper o teto informal.
FEITO FOGUETINHO – Juro nos EUA mais alto por mais tempo parece ser a melhor explicação para o rápido salto recente nos rendimentos dos Treasuries, que renovam as máximas em mais de uma década na ponta mais longa.
… Como se viu, também a perspectiva de volume maior de emissão de dívida americana nos próximos meses justifica a escalada e ainda a saída de investidores japoneses dos Treasuries aparece como razão adicional do rali.
… O investidor monitora os riscos de a inflação dos EUA exigir mais do Fed. A julgar pelo CME, não existe reprecificação da trajetória do juro em setembro (pausa), mas a percepção é de que um corte vai demorar.
… O discurso de Powell no simpósio de Jackson Hole, na semana que vem, pode sinalizar se o Fed ainda pensa em retomar o ciclo de aperto monetário este ano ou se pretende manter o juro onde está por tempo mais prolongado.
… Nesta 5ªF, a taxa da Note-10 anos superou os 4,30% na máxima do dia, atingindo o pico em quase 16 anos, desde a bolha das hipotecas. No fechamento dos negócios, marcava 4,291%, contra 4,266% no pregão da véspera.
… O yield do T-Bond de 30 anos atingiu 5% nas máximas do dia, no maior nível desde 2011, e fechou a 4,396%, de 4,366%. A arrancada se estendeu ao Gilt de 10 anos do Tesouro britânico, que foi à máxima de 15 anos, em 4,6%.
… O mercado especula sobre as chances de o BC inglês (BoE) levar os juros básicos à marca recorde de 6%, após dados indicarem resiliência de salários e inflação no Reino Unido. Hoje, tem que conferir as vendas no varejo.
… A aposta hawkish tem dado fôlego à libra esterlina nos últimos pregões. A moeda ampliou ontem a alta em 0,13%, para US$ 1,2745. O iene também subiu, a 145,74/US$ (+0,32%). Já o euro caiu de leve, para US$ 1,0872 (-0,11%).
… O dirigente do BCE Martins Kazaks disse que a probabilidade de alta adicional no juro da zona do euro é pequena.
… As bolsas em NY viraram e intensificaram as perdas, diante da pressão dos juros dos Treasuries. O Dow Jones caiu 0,84%, a 34.473,90 pontos; o S&P 500 recuou 0,78%, a 4.370,13 pontos; e o Nasdaq, -1,17%, aos 13.316,93 pontos.
EM TEMPO… Petrobras voltou a negar que haja qualquer decisão tomada sobre a venda de sua participação na BRASKEM…
… Posicionamento da estatal ocorreu em resposta a questionamento da CVM sobre notícias de que Jean Paul Prates teria reiterado, em reunião com analistas no último dia 10, que “não há planos de estatizar a Braskem”…
… Companhia afirmou que Prates não participou desta reunião e quem estava reunido com analistas era o seu diretor financeiro e de RI (Sergio Caetano Leite), cujo nome não foi mencionado no comunicado.
ELETROBRAS informou que Carla Dodsworth Albano assumirá a diretoria de RI a partir de 2ªF.
SANTANDER obteve liminar no STF para suspender uma cobrança bilionária de PIS/Cofins.
COSAN. S&P revisou perspectiva do rating BB- da companhia de estável para positiva.
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